Uma exposição instalativa que reflete sobre a importância cultural e prática da oliveira, a partir da comunidade da aldeia de Lagoa, em Trás-os-Montes.
Tipologia do Projeto
#artístico
categoriaS
#exposição #investigação #vídeo #fotografia #instalação comestível #comunidade
CURADORIA e organização
Manuela Matos Monteiro e João Lafuente, Galerias Mira
local
Mira Forum
DURAÇÃO
15 de Junho — 27 de Julho 2024
EQUIPA
Alexandre Delmar e Maria Ruivo
Financiamento / PARCERIAS
República Portuguesa, DG Artes, RPAC / Colégio das Artes, Air 351, Fundação Júlio Resende
contexto do projeto
A exposição "Enlaçar a boca às coisas" surge do convite dos curadores e diretores das Galerias Mira, Manuela Matos Monteiro e João Lafuente, para a criação de uma exposição a ser integrada no ciclo programático Chão, terra e pessoas, em conjunto com as exposições "As guardiãs das Ssementes" por Vanessa Ribeiro-Rodrigues e "A fundo na paisagem" dos Landra.
As três exposições inauguraram simultaneamente no dia 15 de junho, nos diferentes espaços das Galerias Mira. Este ciclo realizou-se no âmbito do projeto 'Em Liberdade' apoiado pela RPAC | Rede Portuguesa de Arte Contemporânea, e envolveu, para além do Mira Forum, três estruturas de outras zonas do país: Colégio das Artes (Coimbra), AiR 351 (Cascais) e Lugar do Desenho (Gondomar).
Para mais informação, consultar aqui a conversa online sobre a exposição, promovida pelas Galerias Mira, com A Recoletora.
Sinopse do projeto
“Enlaçar a boca às coisas” é uma exposição instalativa que reflete sobre a importância cultural e prática da oliveira, a partir da comunidade da aldeia de Lagoa, em Trás-os-Montes. Através de ferramentas e estratégias, gestos e rituais, narrativas e ficções, a exposição destaca a relação umbilical da oliveira com a história da alimentação e o sofisticado saber fazer corporal que permitiu o constante entrelaçamento entre seres humanos e esta espécie vegetal. Partindo do arquivo de imagens, vídeos e textos de Alexandre Delmar, convida-se à deambulação na instalação e à fruição participada do espectador, que se torna ele próprio matéria na construção do projeto.
TEXTO DA FOLHA DE SALA
“O Pardal, o macho do Amâncio, bebia no tanque da fonte e preparava-se para espantar moscardos impertinentes, espojando-se na terra. Aquele macho era conhecido por apenas respeitar o dono. Respeitar, no sentido de reconhecê-lo como a entidade de duas patas que lhe fornece a palha e o caçoilo com o resto das verduras que sobram das refeições e nada mais. Compraram a besta em Izeda a um cigano que o fez a bom preço para instrumento de trabalho. Só tinha de decorar o caminho e ir à corriça todos os dias, levar os cântaros vazios e trazê-los cheios de leite, ainda morno, das cabras do Zé Frade.
Enquanto o Pardal sacudia-se do excesso de pó, o Manel, num salto de duas pernas, coloca-se no lombo do animal que dá um coice no ar. Como não tinha albarda, nem apoios a não ser a crina, o humano cai com os costelos no chão. Não satisfeito com a façanha de cavalo selvagem e a risota provocada aos presentes, pisa-o na mão direita com o casco e o peso de animal bruto. A força foi tanta que três dedinhos soltaram-se do resto do corpo: médio, anelar e mindinho. Sem pia, baptizou-se ali mesmo, o Manel mão-de-cabra, detentor de indicador e polegar.”
“Imediatamente após a lavra nos terrenos dos olivais, as aranhas tecem nas hastes altas das ervas que não foram arrancadas. O Palão aproveita para isco as varejas e os moscardos presos nas teias.”
“Se há árvore que enlaça o mundo natural às coisas da cultura e do espírito é esta besta que manda as raízes para as profundezas e agarra-se à terra com a violência de quem exige viver milhares de anos. A pomba de Noé não trouxe à arca uma folha de carvalho.
Era assim que o Chicheiro de Lagoa caracterizava os olivais que o pai lhe deixou e que eram mais de três hectares todos dispersos pelas fragas e montes transmontanos. Quem o conhecia dizia que durante a apanha da azeitona, de novembro a dezembro, tinha sempre um caroço deste fruto a girar na boca e que o mantinha ali, até ao fim da campanha, como se a semente em movimento no palato lhe impusesse o ritmo para bater nas oliveiras com as varas que lhe serviam de extensão ao corpo."
“A ronha da oliveira é provocada pela «Pseudomonas savastanoi», que penetra na árvore através dos cortes da poda ou das feridas causadas pelo varejo. Esta bactéria provoca nódulos tumorais que dificultam a circulação da seiva, formando pequenas protuberâncias arredondadas e lenhosas capazes de secar os ramos.
Em março, durante a poda, o tio João costumava retirar a ronha das suas oliveiras com a navalha palaçoulo, a mesma que usava para comer. Em maio, começavam a aparecer-lhe os primeiros cravos no céu da boca.”