Com o objetivo de esclarecer as principais regras e cuidados a ter na colheita de algas para fins alimentares humanos, criamos este "Guia de Recoleção Segura e Sustentável". Esperamos que seja útil!
1. O que colher?
1.1) Algas comestíveis
Quando se fala em recoleção, é importante começar por salientar que todas as macroalgas [algas marinhas visíveis a olho nu] que crescem em Portugal são comestíveis (com a excepção das espécies do género Desmarestia que são ligeiramente tóxicas, e que detalharemos na Parte 5 deste Guia). Comestível significa que 'se pode comer sem perigo' e não, necessariamente, que seja agradável ao palato. A maioria das algas é de facto comestível, mas muitas não são digeríveis, por causa da sua textura dura ou coriácea (por exemplo, as Corallinaceae são impregnadas com carbonato de cálcio e são tão duras quanto as pedras). Várias espécies de algas têm interesse gastronómico, mas obrigam a algum tipo de tratamento prévio (como a desidratação, a cozedura, a tostagem, o fumeiro), o que, regra geral, também intensifica o sabor.
Em segundo lugar, convém referir que a apanha de algas silvestres no litoral continental, para consumo próprio, não exige licença, seja para fins alimentares (as que estão fixas às rochas), seja para fins agrícolas enquanto adubo (as que são arrojadas à praia ou estão em flutuação); contudo esta colheita deve respeitar as regras da apanha sustentável, sem “lesão do sistema rizoidal de fixação e evitando danos do substrato rochoso”. Para os interessados, a legislação em questão é a Portaria n.º 391/2023 de 23 de Novembro.
1.2) Algas presas às rochas; nunca as flutuantes
Para fins alimentares, deve-se escolher sempre as algas marinhas que estão presas às rochas (ou a algum tipo de substrato); as que estão soltas a flutuar foram provavelmente arrancadas pela força das marés e podem já estar mortas e a decompor-se, logo sem condições para serem consumidas. As algas que estão em suspensão na água ou foram arrojadas à praia podem ser usadas na terra, como adubo natural.
1.3) Espécies abundantes; evitar as vulneráveis
A recoleção de algas para uso alimentar deve ser uma atividade sustentável, que não danifique o ecossistema. É por isso importante colher com moderação e respeito, e fazer uma leitura do local, preferindo sempre as espécies de algas comestíveis mais abundantes, que existem em maior número. É igualmente crucial saber identificar as espécies nativas mais vulneráveis e evitar colhê-las.
Na região norte há 4 espécies vulneráveis — são nativas do Atlântico, de águas frias, estando distribuída desde a Noruega até ao norte de Portugal — que não se devem recoletar:
— a Himanthalia elongata, conhecida vulgarmente por esparguete-do-mar, é uma espécie em declínio;
— a Laminaria hyperborea, conhecida vulgarmente por taborro-de-pé, está também a desaparecer em Portugal [1] ;
— a Fucus serratus é igualmente uma espécie em declínio, sendo precisamente a Praia Norte, em Viana do Castelo, o local que abriga a última população do país [2] ;
— a Ascophyllum nodosum, conhecida por alga nodosa, tem a Praia Norte como o seu limite de distribuição sul. Apesar de existir uma população numerosa e bem estabelecida nesta praia, não deixa de ser considerada uma espécie vulnerável no nosso país.
[1] A Laminaria hyperborea é muito semelhante à Laminaria ochroleuca. Distingue-se desta por viver no subtidal (que é a zona da costa que está sempre submersa), ter um estipe (caule) mais comprido e rugoso, que frequentemente está coberto por algas epífitas (que são algas que usam outras algas como suporte de fixação, mas sem lhes causar danos ou retirar nutrientes).
[2] Em Viana do Castelo encontramos 4 espécies de Fucus (conhecidas popularmente por fava-do-mar e botelha): Fucus vesiculosus, Fucus spiralis, Fucus ceranoides e Fucus serratus.
Todas elas apresentam uma cor castanha-esverdeada, textura cartilaginosa e uma nervura central bem definida nas suas frondes (folhas).
• A F. vesiculosus é a única que apresenta vesículas aeríferas (ou seja, bexigas redondas de ar que ajudam a manter a alga a flutuar à superfície para obter mais luz) ao longo das suas frondes, dispostas paralelamente em ambos os lados na nervura.
• A F. ceranoides possui uma estratégia semelhante para se manter à tona da água, quando a maré enche; contudo, toda a sua fronde é insuflada, tornando-se ainda mais evidente a nervura média.
• A F. spiralis é muito semelhante à F. vesiculosus, mas não apresenta vesículas. O que a caracteriza são as torções em espiral que ocorrem nas suas frondes.
• A F. serratus, identifica-se facilmente pelas folhas espalmadas e recortadas nas bordas, similares aos dentes de uma serra.
2. Onde colher?
2.1) Praias rochosas, com mar movimentado, longe da atividade humana
As melhores praias para apanhar algas são as rochosas. Tal como as plantas, as algas retiram parte da sua energia da luz solar, por isso crescem em águas pouco profundas (onde o sol penetra com facilidade) e precisam de rochas, ou outros substratos duros, para se ancorarem e não serem levadas pelas correntes.
O ideal é escolher uma praia de mar aberto, com águas em constante movimento —que se renovam rapidamente (sem descurar a segurança!). A praia selecionada deve estar longe de atividades industriais ou de potenciais fontes contaminantes, como portos ou habitações. Deve-se também evitar escolher praias muito frequentadas por banhistas na época de verão, que contaminam as águas com protetor solar. Recomenda-se ainda não colher algas para uso alimentar perto de cidades, em baías de águas calmas ou no interior de rias e estuários próximos de povoações de grandes dimensões.
2.2) Águas com boa qualidade
Antes de sair para colher algas é importante consultar a qualidade das águas, do lugar em questão, no site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera [www.ipma.pt]; tal como se deve fazer para a apanha do mexilhão, percebes, amêijoas ou lapas. Para esse efeito, há que procurar o separador bivalves no site, e de seguida bivalves ‒ ponto de situação e selecionar a região onde se localiza a praia onde se quer fazer a apanha. O ideal é sair apenas quando a região apresenta a cor verde, que significa “situação de permissão de apanha e captura”. Por vezes há descargas de águas contaminadas, oriundas de campos de cultivo, indústrias ou aviários, que chegam ao mar e se refletem na qualidade da água, tornando-a insalubre (e que surgem sinalizadas a amarelo ou vermelho). De qualquer forma, é importante notar que o peixe e o marisco podem acumular 10 a 100 vezes mais poluentes orgânicos e inorgânicos do que as algas marinhas.
3. Quando colher?
3.1) Maré baixa, durante as marés vivas
O melhor período para colher algas marinhas é quando há mais algas expostas ao ar, ou seja, na maré baixa (que acontece duas vezes a cada 24 horas), preferencialmente durante o período das marés vivas. As marés vivas correspondem à amplitude máxima entre a maré baixa e a maré alta, e coincidem com os dias de lua nova e cheia. Há duas épocas do ano em que as marés vivas são ainda maiores: acontecem uma em Março e outra em Setembro, próximas aos equinócios.
Para outras alturas do ano, deverá ser escolhido o dia com uma altura de maré baixa; em Viana do Castelo temos como referência <0.5-0.6m.
Aconselhamos, por isso, consultar a lua e a maré [www.tabuademares.com] antes de sair de casa para apanhar algas.
3.2) Primavera e Verão
Apesar de algumas algas poderem ser colhidas ao longo do ano, a melhor época de apanha para fins alimentares é quando alcançam o seu máximo crescimento (e antes que sejam arrancadas pela violência do mar), o que, para a maioria das espécies, acontece durante a Primavera e Verão. É importante evitar colher algas que ainda estão pequenas, de forma a não pôr em causa o seu crescimento e multiplicação, bem como o habitat que criam para outros seres marinhos.
4. Como colher?
4.1) Colheita sustentável
Fazer uma captura sustentável é uma parte essencial da recoleção de algas selvagens. Deve-se colher à mão e cortar apenas algumas pontas de cada indivíduo, deixando o resto intocado, para que este possa regenerar-se.
O ideal é ter em mente que não se deve levar para casa mais do que um terço (⅓) da alga que estamos a apanhar. Outra das regras de ouro é nunca arrancar a alga pelo seu sistema de fixação, nem cortá-la pelo estipe (o que, numa planta, corresponderia ao caule), pois isso interrompe bruscamente o seu crescimento e, muito provavelmente, causa a sua morte.
Deve-se levar apenas o necessário e não apanhar algas sempre no mesmo local, evitando assim causar impacto nas espécies que se estão a colher e danos no ecossistema. As algas, principalmente as de grandes dimensões (como as laminárias), são o abrigo de vários seres marinhos e o lugar onde depositam os seus ovos; por isso, certifique-se de que nenhum animal está preso à alga, ou se alimenta dela, antes de fazer a colheita.
4.2) Instrumentos necessários
Para a colheita de algas, não é necessário muito equipamento nem especializado. Basta um saco ou balde, idealmente com orifícios para escorrer a água, e uma tesoura. Quanto aos pés, é conveniente usar calçado impermeável, anti-derrapante (muitas vezes as rochas estão cobertas de algas escorregadias, como a alface-do-mar ou a erva-patinha) e com solas duras (principalmente se a praia tiver rochas pontiagudas, como é o caso da Praia Norte).
Outra hipótese, para os que não querem esperar pela maré baixa e não se importam de molhar-se, é mergulhar com a ajuda de uma máscara de snorkelling, tendo sempre em atenção as condições do mar.
5. Precauções
5.1) Não colher ou ingerir espécies tóxicas
Nenhuma alga que ocorre na nossa costa é tóxica, com a excepção das espécies do género Desmarestia. Em Portugal existem duas: a Desmarestia ligulata e a Desmarestia aculeata, e são conhecidas popularmente em inglês por ‘acid kelp’ ou ‘sea sorrel’, precisamente pela sua capacidade de acumular elevados níveis de ácido sulfúrico, estratégia que desenvolveram para se defender dos predadores.
A Desmarestia é um género pouco abundante no nosso país, ocorre no “subtidal” (que é a zona marinha que está sempre submersa) e nunca fica visível durante a maré baixa. Está bastante exposta à ondulação sendo, por isso, muitas vezes arrojada à praia.
A sua ingestão pode causar graves distúrbios digestivos; mas mesmo que alguém coma por engano uma alga deste género, é muito improvável que o faça numa quantidade suficiente que prejudique a sua saúde, já que o seu sabor é extremamente ácido!
Em caso de dúvidas na identificação de uma alga, jogue pelo seguro, não arrisque.
5.2) Não ingerir algas em grandes quantidades
As algas são um dos ingredientes mais saudáveis do mundo — são ricas em minerais, vitaminas, proteínas e fibras; têm poucas calorias e hidratos de carbono e um baixo teor de gordura; apresentam propriedades antivirais, antibacterianas e anti-inflamatórias.
Contudo, uma vez que o sistema digestivo dos portugueses não está acostumado ao consumo regular de algas, como o dos povos orientais que as ingerem há centenas de anos, recomendamos introduzi-las gradualmente nas nossas dietas. O microbioma do tubo digestivo requer um período de adaptação de até 4 meses para induzir a síntese das enzimas específicas que podem degradar certos compostos das algas marinhas. Por esta razão, em vez de comer grandes quantidades esporadicamente, aconselhamos ingerir quantidades moderadas diariamente, permitindo ao organismo adaptar-se progressivamente. A média recomendada é 5 gramas de alga desidratada ou 30 gramas de alga fresca por dia. Há que ter em mente que as algas são apenas um complemento, nunca o ingrediente principal do prato.
5.3) Certas pessoas devem evitar a ingestão de algas sem aconselhamento médico
Quem tem problemas de saúde relacionados com a tiróide não deve ingerir algas (nem permanecer em praias de rochas com algas) sem aconselhamento médico, devido ao seu elevado teor de iodo. O mesmo se recomenda para qualquer pessoa que esteja a fazer tratamentos oncológicos, tenha uma dieta ou condição de saúde específica, cozinhe para crianças ou idosos, esteja grávida ou a amamentar, já que o tipo ou quantidade de algas podem ser fatores a ter em conta.
6. Recomendações
6.1) Fazer-se acompanhar de guias (sobretudo no caso de ser iniciante), que podem ser pessoas especialistas, livros, sites ou aplicações fiáveis.
6.2) Ir acompanhado e nunca virar as costas ao mar; a costa pode ser um lugar perigoso. É recomendável avisar alguém da praia onde se vai estar e a que horas é suposto voltar.
6.3) Evitar colher com más condições atmosféricas como vento, chuva ou nevoeiro.
Este Guia foi criado por ocasião do “Pasto das Marés”, um projeto investigativo, artístico e pedagógico da Recoletora que reflete sobre as dinâmicas ecológicas e culturais em torno das algas marinhas. Descubra o projeto aqui.
PASTO DAS MARÉS é um projeto da Recoletora em colaboração com o CMIA (Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental) e o Centro de Mar da Câmara Municipal de Viana do Castelo.
PASTO DAS MARÉS é um projeto da Recoletora em colaboração com o CMIA (Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental) e o Centro de Mar da Câmara Municipal de Viana do Castelo.
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